AGENDA l O palhaço

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         Desde que li um texto sobre os palhaços de circo que, por muitas e muitas vezes trazem na alma uma grande tristeza, mas, por seu ofício, são obrigados a entrar no picadeiro e fazer graça para o seu público rir, foi que entendi a grandeza desses artistas.

         Então, imaginei que não seria nem um pouco agradável estar em frente a um espelho pintando o rosto e, as lágrimas teimando em cair e borrar aquela pintura, seja pelas suas angústias, temores ou tristezas.

         Pois é, a vida tem muito disso, tem os seus percalços.

         Enquanto o coração chora por uma dor, a voz que sai da garganta é a voz que encanta e faz sorrir as pessoas que nem imaginam o que vai por detrás daqueles olhos marejados, por detrás daquela pintura, por detrás daquela caricatura de gente.

         E não existe maior exemplo de tudo isso que o próprio palhaço.

         Seu circo, seu picadeiro, as suas dores e as gargalhadas do público.

         Nada mais contraditório, contudo, muitos e muitos dirão que é a vida, e que ela é bonita, é bonita, é bonita…

         Nem sempre.

         Já me senti por muitas e muitas vezes, em muitos e muitos dias um desses palhaços da vida em seus dias de tristeza, e hoje, mais precisamente, é um deles.

         Todavia, tenho que levar ao cabo o compromisso assumido de escrever minha coluna para o Jornal 19 de Julho, nesta segunda-feira, mesmo que um misto de tristeza e esperança inundam meu coração e alma.

         Sinto-me diante do espelho, me pintando para o show…o show que os palhaços nunca gostaram de fazer.

         Lá fora, um pouco distante do meu camarim, enquanto me disfarço, existem pessoas que estão na espera daquilo que eu, em algum tempo vou produzir, pelas palavras e enredos dos textos que serão expostos.

         Sejam eles do jeito que forem, mas que existam no seu espaço e no seu tempo.

         Compromisso é compromisso.

         Porque ninguém está interessado nas minhas lágrimas, nas minhas tristezas, quiçá nas minhas esperanças.

         E, aos poucos, vou concluindo minha pintura com o branco que cobre meu rosto, algumas pintas sobrepostas e o vermelho carmim exageradamente espalhado pelos meus lábios, que é para dar o sentido da alegria e do sorriso sempre estampado no meu rosto, seja falso ou não.

         Haveria de dizer: na minha cara?

         Dane-se os pensamentos, as tristezas, o embargo da voz que trêmula, ensaia balbuciante algumas palavras proferidas para que sirvam de próprio consolo: vai passar!

         Tudo vai dar certo.

         Mas, ainda falta o toque final: a bolinha vermelha na ponta do nariz.

         Pintar-se de palhaço não é tão difícil assim, porém a grande questão é saber o que tem de sentimento aquela pintura no momento em que ela foi produzida, frente-a-frente com um espelho, olhos nos olhos e, uma alma consumida de emoções.

         Onde está a minha bolinha vermelha para colocar na ponta do nariz?

         O show precisa começar…

         Então, choro o que tenho para chorar, engulo o que tenho que engolir, digo para mim mesmo que tudo vai sair bem, tudo vai ficar bem e, só então, coloco a bolinha vermelha na ponta do nariz e saio em busca das minhas palavras, do meu tempo…

– Respeitável Público!!!

– Senhoras e Senhores!!!

– Meu querido colega, Betinho!! TUDO VAI DAR CERTO!

         Que assim seja.