Até que a morte separe – II

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Como eu vinha contando, dona Aurora faleceu. Tristeza na fazenda, os filhos vieram para o velório. Seu Armando, mesmo triste, sentiu o dever cumprido. Passado o mês do luto, casou com a Marília. E trouxe pra fora.

Só que a Marília era diferente. Gostava de conforto e era ambiciosa. Queria televisão, telefone, roupa nova. O Armando era rico, podia dar um gostinho a mulherzinha, ora bolas. Teve que contratar uma ajudante, que fazia o serviço da casa, e agora era Marilia que ia na cidade, com um carrinho que ganhou do marido, fazer as compras que precisava. Verdura, carne, comida. Não gostava de cuidar de horta, essas coisas. Mandou carnear a Mirtes, a vaca estava velha mesmo. E era metida, vivia rondando a casa. O Alves, desgostoso da vida, foi embora. Dizem que terminou a vida em volta dos bolichos, metendo uma cachaça e resmungando.

Em todo o caso, a Marilia se mantinha em forma, e o Armando gostava disso. Só que foi ficando velho, e a mulher era nova, dava trabalho mantê-la satisfeita. Tanto fez que acabou tendo um enfarte. Fulminante. Morreu seu Armando.

As disputas da Marília com os filhos e herdeiros não foi brincadeira. Intrigas, advogados, pericias. Coisas feias. Que nem o seu Armando e nem a dona Aurora acompanharam. Estavam mortos. Seu Armando chegou no paraíso e logo percebeu que era um mundo diferente. Não tinha campo, nem cavalo, nem boa aparência e nem bigode. Era o mundo das almas.

Na entrevista inicial com São Pedro, foi avisado que ficaria numa espécie de sala de espera, uns dias, para botar as ideias em ordem, e ficar preparado para a vida eterna. Então pensou, pensou, e  pensou. E no fim acabou comparando dona Aurora e Marília. A primeira era bem mais cuidadosa com ele, mais tranquila, e enquanto viveram juntos ele foi mais próspero. A outra era bonita e tal, mas gastadeira e não deixava ele muito em paz. Pensou que agora, no paraíso, seria melhor para ele se juntar novamente com a Aurora.

Foi falar com São Pedro, contou para ele suas filosofanças. O Santo ouviu, e decidiu que ele estava pronto para sair da sala de espera e entrar no mundo do céu. E para lá se foi seu Armando. Seguiu umas instruções de São Pedro, e chegou numa casinha muito ajeitadinha, com cerquinha de madeira, roseiras nos canteiros, cortinas nas janelas. Na varanda, encontrou dona Aurora sentada, tricotando, e conversando com uma amiga.

Bom, a história vai ficando longa. Semana que vem termina.