Até que a morte separe – III

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Na história que eu vinha contando, seu Armando morreu e foi para o além. Lá, depois de conversas com o Anjo, saiu a caminhar e encontrou dona Aurora conversando com uma amiga. E aí foi assim:

– Bom dia, disse seu Armando. Não que tenha dia ou noite no paraíso, isso eu não sei. Talvez tenha sido só para iniciar o assunto, ou talvez o paraíso não seja tão diferente da Terra, afinal de contas.

– Armando. Recebi o comunicado que tu tinhas morrido. Que bom que foi enfarte fulminante. Sem sofrimento. Chega pra diante, sente conosco.

E iniciaram uma conversa, os três. Armando contou coisas que tinham acontecido depois que dona Aurora foi embora, dos filhos, dos netos, da fazenda. Com tristeza, lembrou da vaca Mirtes e de seu peão, o Alves, de quem nunca mais soube notícias. Sentiu um espanto quando dona Aurora apresentou a amiga, Mirtes. – Mas era a mesma vaca de quando eram vivos? E era.

– No paraíso as almas tomam a forma que querem, foi o que recebeu de explicação.

Foi quando chegou o Alves. Não era mais um peão, ninguém trabalha no além. Continuava com a mesma expressão de boa gente que sempre teve, respeito servil com seu Armando, o único patrão que teve. Mas mais confiante, uma clareza brilhante nos dentes que sorriam. Cumprimentou o visitante, Mirtes, e deu um beijo em dona Aurora. Um selinho, como se diz, na boca! Na frente do seu Armando.

– Pois é, Armando, disse dona Aurora. As coisas são assim. O que Deus uniu só a morte separa. Nos separou. Vim para cá antes. O Alves também. Sempre foi um homem bom, me respeitava na carne e na alma. A morte nos separou, Armando, e agora a minha vida eterna será com o Alves.

Foi brabo isso para o seu Armando. Feriu sua alma, que aliás era só o que tinha. E agora não sabia o que ia fazer. Sentiu-se só. Desamparado. Pobre mesmo. Pobre de alma. Quem iria cuidar dele?

– Ala Maula! Estou no paraíso, mas do jeito que me sinto parece mesmo que estou é no inferno.