AS ACADEMIAS, O CORAÇÃO E O PAULÃO
Esta crônica não é para menores de sessenta anos e também para os chamados ratos “velhos” de academias, para os que são adeptos da vida saudável e tal e coisa… pois que eles não iriam gostar nada do que aqui vamos falar, mas, tenho certeza de que mesmo assim, todos vão ler.
Sim, vocês já devem estar pensando/admitindo aquilo que vamos abordar e, mais ainda, imaginando aquele abdômen definido, tórax estufado, coxas delineadas e braços/antebraços musculosos…vida saudável, só que ninguém tem coragem de falar um pouco (um pouquinho…) diferente, já que o “contrário e contraditório” … vai entender!?!?
Aqueles corpos em que, principalmente nas praias, as menininhas e as mulheres já de certa idade suspiram e tentam recordar mentalmente: Ah! Os meus tempos de guria…dos meus quinze anos…
Minha geração, tenho quase que certeza absoluta não era desta fase, ou seja, da fase do quase fisiculturismo, da fase de academia, hidroginástica, musculação, crossfit…, todavia éramos da fase do “musiculturismo e do “boateculturismo”.
Há quem vá dizer que do “traguismo” também…bueno, fica por conta de cada um.
Ah, sim, e não restam dúvidas nenhuma, éramos do esporte e em grande escala, viciados verdadeiramente, mas no futebol, no vôlei, no basquete ou cuspe a distância…
Com isso quero dizer que não tínhamos o hábito (e, também nem existiam academias assim, em tanta profusão/proliferação) de frequentar as casas dos aparelhos de evolução física.
Tudo isso me veio à tona ao ler uma coluna do mais que “craque”, um verdadeiro “rei” da crônica deste e de tantos outros países, Luis Fernando Veríssimo, gaúcho e filho do sempre lembrado Érico Veríssimo…
Quem aqui nunca leu uma coluna deste fenomenal cronista?
Devo adverti-los que muito da história abaixo descrita foi adaptada por este seu escriba aqui, sendo que os créditos fora da “história deste grande e famoso cronista, Luis Fernando Veríssimo, são de minha audácia e destemor.
Utilizo-a para adaptar o meu tempo, ao tempo de agora.
Pois dizia ele nas suas anotações (nos anos de 1996) que lá pelo Rio de Janeiro, num daqueles bairros “interioranos”, existia uma academia e quem levava-a a contento era um tal de Paulão.
Para ser admitido um aluno na tal academia, o Paulão, dando um tapa no ombro do vivente, perguntava:
– Te conheço?
O novato massageava o ombro e meio sem jeito dizia que não.
Então o Paulão dava outro tapa e no outro ombro do cara e, arrematava:
– Pois eu te conheço muito bem…tu és o cara aquele que não faz nenhum exercício, fica na frente da televisão comendo uns salgadinhos e tomando uma cerveja para ver o Flamengo, bebe demais, fuma demais…e assim por diante.
– É ou, não é?
– É – dizia o vivente massageando de novo o outro ombro.
– Vamos lá, entra e me acompanha!
O Paulão tinha um pouco mais do que cinquenta anos, não tinha gordura nenhuma no corpo, físico bem definido, camiseta esticadíssima no tórax estufado…e caminhava entre os alunos gritando:
– Vamos lá seus molengas, isso aqui não é aula de expressão corporal!
– Também não é aula de salsa e merengue! Muito menos de balé!
-Vamos lá seus moles, bate aqui (e mostrava seu abdômen), bate aqui, é uma tábua…e assim por diante…
O Paulão era o grande exemplo de saúde depois dos cinquenta naquela comunidade, e não fumava, não bebia, não…
A velharada já até tinha receio e sempre chegavam antes dos horários previstos… Paulão era “londrino”.
– Aqui, seis horas da manhã é seis horas da manhã! – dizia ele, empertigado.
Mas, um certo dia, ao chegarem na porta da academia, ela (a academia) estava fechada e ninguém havia por lá para abri-la…
Mas, afinal de contas, onde está o Paulão, o que houve com o Paulão?
Isso não era nada normal e ainda mais naquela academia…
Um certo tempo depois, chega uma senhora com os olhos vermelhos, inchada e deu a notícia:
– Não vai haver mais aulas, não vai mais haver academia!
– Todos, perplexos, logo perguntaram: Mas, por quê? O que houve?
– Paulão faleceu esta madrugada. – respondeu a senhora, em prantos.
– Faleceu? Do quê?
– Coração! – e se foi embora, talvez para o velório do Paulão.
Seus alunos se entreolharam e, um por um, passo-a-passo, meio que se disfarçando, dirigiram-se ao bar da esquina…afinal de contas, era a “caverna” deles.
Cabisbaixos, envergonhados, receosos… até um deles “atirar a primeira pedra”: – Uma cerveja! – embora com uma certa tristeza.
Estavam em choque, era verdade, mas já outro pediu: – Um bolinho de bacalhau!
O terceiro, já sem quase nenhum “encabulamento”, gritou bem alto: – Outra cervejinha e um batata frita com bacon!!
E a risada voltou aos semblantes daquela velharada toda, quando, de repente, fizeram um minuto de silêncio, mastigando e bebendo os seus quitutes, bebidinhas, coisa e tal e pensaram todos ao mesmo tempo: – Que merda! Mas, já que é assim, vamos voltar à luta!
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(Os créditos (adaptações e criações) ficam por minha conta e sob a minha responsabilidade.
Crônica base: “Paulão” – do livro Novas Comédias da Vida Privada – Luis Fernando Veríssimo – L&PM – 1996