João e a Rainha da Inglaterra

0
344

Um de meus bisavôs se chamava João Wander. Viveu muitos anos, desde o final dos anos 1800 até quase o ano de 1960. Era um sujeito criativo, aventureiro, habilidoso. Quase um artista. Entre outras coisas, tornou-se modista. Criava vestidos para as damas da alta sociedade gaúcha de sua época. Sua fama cresceu e tornou-se internacional.

Nos idos da década de 1930 suas idéias chegaram até os olhos de uma senhora na Inglaterra, chamada Isabel Bowes-Lyon, que havia casado com Albert Frederico Arthur George. Em 1936, Albert foi coroado Rei George VI, da Grã Bretanha. O casal teve duas filhas, sendo a mais velha a Rainha Elizabeth II, falecida há poucos dias.

Estou tentando resgatar a história desse personagem, meu bisavô João, e até agora descobri que ele foi convidado pela então Rainha, e esteve nos palácios reais por mais de uma vez, desenhando vestidos para ela e as princesas.

A pesquisa que venho fazendo me levou até um primo de minha mãe, que tinha mais vínculos com esse personagem.

A história é bem inusitada, e pode parecer fantasia, mas esse primo contou que meu bisavô viajava de navio a vapor. A viagem durava cerca de um mês, tanto para ir quanto para voltar. Mais o tempo que permanecia por lá, nunca inferior a um mês também. Essas viagens produziram graves transtornos na família, evidentemente por causa da sua ausência prolongada. Nessa época seus filhos, entre eles minha avó materna, eram ainda jovens. Outra fonte de transtorno era o fato de esse bisavô ser aventureiro, mulherengo e gastador. Por causa dessas características, embora costurando para a Rainha da nação mais poderosa do mundo na época, não voltava com dinheiro na mala. Não é de se duvidar que trouxesse, ao contrário, danos financeiros a família.

Essas aventuras, entre outras ainda a serem prospectadas, provocaram abismos intransponíveis, e meus bisavós acabaram por separar-se. A atuação de meu bisavô, ao invés de se tornar um motivo de orgulho e honra na família, acabou por apagar-se. Minha avó e seus irmãos evitavam falar sobre o pai, havia muita mágoa nas suas lembranças. Já esse primo que me ajuda com suas memórias, nutria amizade e admiração pela figura aventureira e romântica do avô. Por isso, acabou herdando as medalhas que o velho João recebeu por suas criações quando de sua atuação junto a realeza britânica. Para azar da memória famíliar, as medalhas foram roubadas durante um assalto a casa de meu primo.

Enfim, essa é a história. Ela é verdadeira. Sei disso por relatos orgulhosos e também por mágoas acumuladas em meus antepassados. Carrego isso tudo, não sem uma ponta de orgulho ao pensar que a Rainha, cujo falecimento hoje é chorado pelo mundo todo, um dia passeou por algum lugar vestida com a criatividade de meu bisavô.