Minha tia-avó era um doce de pessoa.
Das tias-avós que não se fazem mais hoje em dia.
Toda vez que ia em sua casa e, acreditem, naquele tempo a gente visitava as tias, os tios, os primos, e, principalmente os avós sim, Tia Dalila sempre tinha um docinho, um suco, um lanche a oferecer e, melhor ainda…mandava eu me sentar junto dela no sofá da sua casa e, enquanto pedia para eu contar um pouco da minha vida de adolescente, mais precisamente no colégio (ela era professora aposentada), fazia cafuné na minha cabeça…quer coisa melhor do que isso?
Sei lá se era mania das pessoas daquela época, e olha que estamos falando dos anos 70, onde a calça boca-de-sino vigorava, os sapatos de plataforma, a pulseira imitando prata a la Roberto Carlos no braço com o nome gravado e a grande marca da época que eram os cabelos compridos…sim, nós éramos os garotos e garotas que amavam os Beatles e os Rolling Stones…
“…cabelos longos não usa mais, nem toca a sua guitarra e sim, um instrumento que sempre dá, a mesma nota rátátátá…”
Mas, voltemos aos cabelos longos e, então eu sempre imaginava que aquele maravilhoso cafuné era também uma mania da minha tia-avó (pois que naquela época elas também tinham essa mania) de catar piolhos…a dupla cabelos longos/sala de aula eram propícios para os “pedículos humanus capitis”, nome científico do maldito.
Tia Dalila era viúva e, veio então a preocupação da família em fazer um esforço e colocar na casa dela um telefone da CRT, afinal de contas era de bom alvitre manter sempre contato com ela…naquela época também se gostava, e muito, de saber como estavam os familiares…
Todos hão de lembrar que ter um telefone em casa era um verdadeiro luxo, sem falar na grande dificuldade que era para consegui-lo.
Passados todos estes percalços, certo dia cheguei em sua casa e ela mais do que correndo, me contou a novidade.
Estava lá instalado em um bidê ( vou chamar assim porque não sei o nome específico deste móvel) daqueles com feitio Luíz XV, com tampo de mármore, detalhes em madeira esculpida, envernizado e com apenas uma porta central.
Pois pairava assentado no mármore, logo acima de um, digamos assim, guardanapo de crochê, aquele aparelho preto.
– Não é lindo, meu filho?
– Sim, tia e muito útil.
– Pois é, mas de uns dias para cá só tem me incomodado…
– O que está havendo, tia?
– Pois não sabe que volta e meia me ligam, é uma voz de gente nova e eu sei porque os 30 anos de professora no Grupo Escolar não me deixam enganar, perguntando se o Valdemar está, se o Valdemar vai chegar, se aqui é a casa do Valdemar…
– Todos os dias e mais de três vezes por dia.
– Mas que coisa chata, Tia Dalila…
– Dia desses, meu filho, quase atirei este telefone na parede de tanta raiva.
Minha Tia Dalila não era assim, nunca foi, pois por mais que as situações se apresentassem difíceis, complicadas, ela tinha calma e serenidade o suficiente para contorná-las.
Certamente foi algo que lhe tirou totalmente do sério, e lhe deixou enraivecida (lembram o filme: Um Dia de Fúria?) talvez houvesse eclodido a Terceira Guerra Mundial e neu não estava nem sabendo.
– Pois saiba, meu filho que o dia transcorria muito bem quando tocou o telefone da CRT e eu fui atender:
– Bom dia (disse a voz do outro lado). Por acaso o Valdemar está em casa?
– Olha, eu já disse mais de mil vezes que aqui não mora nenhum Valdemar…pois já faziam mais de uma dezena de dias que ligavam e perguntavam por este tal de Valdemar.
– Passado mais de duas horas, toca de novo o telefone da CRT:
– O Valdemar já chegou?
– Meu Senhor do Céu! Eu já disse que aqui não tem nenhum Valdemar e, com uma pontinha de raiva bati o telefone.
– Logo após o almoço, depois que eu lavei a louça, estava dando uma cochilada, meu filho e, não é que tocou o telefone da CRT?
– Lá veio a voz de novo…o Valdemar está aí ou já saiu?
– Educadamente eu respondi que, realmente, ali naquela casa e naquele número de telefone da CRT não morava e não tinha nenhum Valdemar, mas filho, já com aquela vontade de mandar essa pessoa para aquele lugar.
– Quando foi de tardezinha, um pouco antes da Ave-Maria, toca o telefone e te confesso, meu filho, fiquei muito nervosa, mas não tinha outra alternativa e fui atender o já amaldiçoado telefone…
– Alô?
– Alô, o que o Sr. Deseja? – nem perguntei quem falava com medo de me perguntarem pelo Valdemar.
– Mas, a voz muito educada e pausada, me levou a crer que não, que não iam me perguntar pelo maldito do Valdemar.
– Minha senhora, desculpe-me, mas aqui quem fala é o Valdemar.
– Por acaso nesses dias todos ninguém deixou um recado para mim aí com a senhora?
Foi a mesma coisa que ter explodido a terceira, quarta e quinta bomba atômica na casa da Tia Dalila…
Bem que eu notei uma pequena rachadura na base do telefone preto da CRT…