Como comer laranja de umbigo

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Meu amigo Maurício veio nos visitar. E ficou para o almoço. Minha mulher adora frutas, e não tem muita paciência para esperar que fiquem bem maduras. Então, serviu, junto com o almoço, uma laranja. Embora não seja bem época delas, essa estava suficientemente doce e suculenta.

Sempre argumento, aqui em casa, que as laranjas e as bergamotas precisam de uma geada para ficarem bem boas, mas temos alguns pés de laranja de umbigo que ficam doces mesmo sem esperar o frio.

E era o caso desta, era uma laranja de umbigo. Descascada e cortada em pedaços.

O Maurício contou uma história.

– Sempre que vejo laranja de umbigo, lembro do meu avô. Ele tinha uma cerimônia especial para comer laranja de umbigo. Com uma faca afiada, descascava toda ela sem interromper. Depois, tirava todo o bagaço e abria a laranja, para comer em gomos.

Provavelmente era o único exemplo que ele tinha. Da maneira de comer a laranja. Mas eu não, e a conversa me transportou para o pátio da minha casa, quando eu era criança. Lá, havia uma laranjeira muito grande, mas era da comum. Passávamos o inverno tomando laranjada, que era como minha mãe chamava o suco de laranja, misturado com água e um pouco de açúcar. Ela também fazia pudim de laranja, que era o doce preferido do meu pai. Naquela época, a laranja de umbigo não era muito fácil de ser encontrada, e custava caro. Mas às vezes se conseguia. Então meu pai sentava comigo e meus irmãos, no pátio, em baixo da velha laranjeira comum, e ali comíamos a tal de umbigo.

Meu pai cumpria o mesmo ritual do avô do Maurício. A imagem que se forma em minha cabeça é de um início de tarde ensolarado de inverno. Da mesma forma que o avô do meu amigo, ele descascava toda a laranja sem estragar a casca, raspava o bagaço e abria a fruta com as mãos, entregando gomos para nós, e comendo junto. Havia uma disputa pelo umbigo, que é a parte da mais doce da laranja.

Com a casca, inventávamos tapa ouvidos, tapa olhos, colares, e às vezes até espremíamos aquele líquido ácido nos olhos uns dos outros irmãos, motivando uma intervenção mais severa do adulto, nosso pai.

Já vi de tudo, até bandejas de supermercado com gomos descascados de bergamota. Porém, existem os rituais. Comer laranja de umbigo, na minha infância, era um ritual. Que deixou memória, saudades. Cada um come do seu jeito, mas para mim tem que ser assim.