Famílias

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Fiz uma extravagância e realizei uma das tarefas que determinei para minha vida. Fui até a Patagônia argentina ver as baleias orcas. Fomos de carro até Buenos Aires, e lá tomamos um avião para uma cidade chamada Trelew. Em Trelew, alugamos um carro e nos dirigimos a Puerto Piramides, na Península Valdes.

É o bioma estepe. Arbustos espinhentos, uns capinzinhos secos. E o Atlântico, frio, azul, imenso, delimitando a paisagem. Naquele lugar as orcas, também chamadas de baleias assassinas, protagonizam o chamado “encalhe proposital”, com a finalidade de caçar lobos e elefantes marinhos. Elas nadam bem na beira da praia, onde os outros estão tomando banho de sol. Então, pegam ajuda de uma onda e se atiram na areia, para caçar. Depois, ficam se batendo e chacoalhando para retornar ao oceano. Eu havia lido que esse fenômeno acontece só ali e em mais nenhum lugar do mundo, e daí despertou minha curiosidade.

Fomos privilegiados e tivemos a oportunidade de assistir ao encalhe. Sem caçada. Havia elefantes na praia, mas duas orcas adultas, pelo que explicou o guarda faunas que cuida do local, estavam ensinando uma jovem a se encalhar.

Agora, o que aprendi. E foi muito. Porque eu achava que, sendo o Atlantico do tamanho que é, orcas viajando pelo mundo passavam por ali e caçavam. Engano. Contam lá não mais de vinte e cinco. Que vivem ali. E se agrupam em duas famílias. Esses animais vivem até setenta anos, e são reconhecidas pelas manchas que possuem no corpo. E têm nome! Pelo que observaram, nem todas sabem encalhar. Não mais que dez (no mundo) praticam esse tipo de caçada e não mais que cinco fêmeas sabem ensinar. O que torna o acontecimento raríssimo.

Foi um guarda fauna chamado Beto Bubas quem descobriu isso. Existem uns vídeos no youtube sobre o encontro desse cara com as orcas. Tem, também, um filme no Netflix, chamado “Farol das Orcas”, que conta parte da história. Porque ali aconteceu uma coisa surreal. Esse sujeito fez amizade com as baleias. Tocava uma gaitinha de boca, e elas vinham interagir com ele. Animais selvagens, predadores, com até seis toneladas de peso, se aproximaram do humano. Demonstrando uma curiosidade mútua, cheia de respeito e sabedoria.

Vi isso, e ouvi essas histórias. Voltei de lá pensando em tribos e famílias. Das orcas, dos leões, dos lobos, dos homens. E comecei a olhar aqui perto, o mundo que me cerca. As capivaras que são minhas vizinhas, os cães, as minhas vacas, por exemplo. Então penso nos muitos problemas que temos. Guerras, fome, violência, Lulas e Bolsonaros. Penso em quem lê minhas histórias todas as semanas. Tanto problema e eu falando de bichos. Mas olhem, a verdade é que perceber tudo isso me deixa muito humilde, e consciente de que sou apenas mais um em uma tribo.

Concluir essa história me é impossível. Porque me sinto maravilhado com a descoberta que fiz, para mim, de como os mamíferos se agrupam em tribos que são, no fundo, famílias. Mas não consigo estabelecer uma relação clara, fundamentada, com o mundo humano atual, que me cerca.