O ventilador

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Era um ventilador diferente. Tinha um corpo central e duas rodas laterais que faziam o vento. Tipo esses ventiladores de ar condicionado para automóveis, que ficam escondidos nos painéis. Se olhar no google, entende do que se trata. Era pequeno, uns dez ou doze centímetros de altura por uns vinte e cinco de largura total. No corpo central ficava o interruptor, um botãozinho pequeno. As rodas que produziam o vento tinham pás de plástico, e sobre essas rodas ficava uma estrutura curva, de plástico transparente, que tinha uma abertura por onde saía o vento. Eram transparentes.

Um ventilador diferente. Bem no estilo do inicio dos anos 1970, quando os objetos domésticos, auxiliados pela crescente indústria do plástico, se moldavam em formas e cores novas. Não era um grande produtor de vento, e tinha um defeito. A fragilidade. Aquelas pazinhas que produziam o vento logo se quebraram, por batidas ou tombos, e começaram a produzir menos vento e mais barulho.

Lembro que um dia, eu com meus dez ou onze anos, estava deitado olhando para o ventilador. Fazia calor, o aparelho estava ligado e eu tentava me colocar de tal maneira que o pouco vento produzido pudesse vir em minha direção. Então imaginei que poderia usar esse ventilador como propulsor de um carrinho de brinquedo. Naquele tempo os brinquedos não eram como hoje, pelo menos para a maioria dos meninos de classe média, que não tinham acesso aos maravilhosos produtos estrangeiros. Tínhamos carrinhos de plástico ou caminhões de madeira.

Mas eu imaginei tirar aquelas rodas de vento e o plástico transparente e adaptar, nos eixos do ventilador, rodas de um carrinho de plástico que eu encontraria em algum lugar, com tamanho suficiente para receber, em seu interior, o corpo do ventilador. Comecei a pensar numa maneira de prender o aparelho na estrutura de veículo. Amarrar com um barbante forte, talvez, ou arame. Fazer furos no carrinho e no corpo do ventilador, passar por ali um parafuso e prender os dois, veiculo e motor, com porcas. Então teria que conseguir um fio comprido, porque o ventilador funcionava com energia elétrica, e à medida que o carrinho andasse no corredor da minha casa precisaria de fio para funcionar.

Não poderia ser um fio qualquer, teria que ter flexibilidade suficiente para não desviar o carrinho do seu caminho. Imaginei um tipo de carretel que pudesse enrolar e desenrolar o fio, de maneira macia. Um invento difícil, porque eu não tinha uma base de equipamento que pudesse alimentar minha imaginação e desenvolver esse equipamento. Teria que encontrar

uma roda de madeira e fazer alguns testes. Imaginei aproveitar a energia que seria levada ao motor do ventilador, puxar um fio e instalar uma lâmpada na frente do carrinho, de modo que ele faria sucesso andando no corredor escuro da casa durante a noite.

Depois desse dia, cada vez que via o tal ventilador um interruptor ligava o desenvolvimento do projeto em meu escritório cerebral. E esse interruptor passou a ligar outras vezes, em outros lugares, vendo um carro na rua, ou a vitrine de uma loja de material elétrico, ou de uma loja de brinquedos com diversos modelos de carros de plástico. Virou uma obsessão e chegou o momento de apresentar meu projeto para a proprietária do ventilador, minha mãe.

O problema era que ela tinha ganhado o ventilador não sei de quem. E não estava disposta a se desfazer dele. Acho que também não gostou muito da minha ideia de fazer instalações elétricas, e o resultado foi que o ventilador não foi liberado para meu projeto.

O projeto, todavia, não foi descartado. Foi arquivado. Eu sabia que um dia ficaria grande, teria meu trabalho e ganharia meu dinheiro. Que seria suficiente para comprar um ventilador daqueles, fios, lâmpada e carrinho, e então construir o negócio.

Não sei que fim deu o ventilador. Quebrou, certamente, e em alguma das vezes que nos mudamos de casa, desapareceu. Fiquei grande, ganhei dinheiro suficiente para o projeto. O problema, hoje, é que não se fazem mais ventiladores daquele tipo. Quanto ao carrinho, hoje já existem incontáveis modelos de carrinhos assim, muito melhores, porque usam baterias e não precisam de fio nem de inventos capazes de liberar o fio sem atrapalhar o andamento do veículo. São de controle remoto, e a gente pode fazer andar para lá e para cá, em diferentes velocidades. Pior que isso, com o advento dos jogos eletrônicos, a gurizada nem se empolga mais com essas invenções. A imaginação deles deve percorrer caminhos bem diferentes daquelas que minha infância percorreu.

Mas olha, qualquer dia desse vou num ferro velho, compro um ventilador desses de carro, arrumo uma bateria, faço um caminhãozinho de madeira, e tiro meu projeto da imaginação para transformar em realidade. Azar que não seja bem igual, e azar que ninguém se interessa mais por essas coisas. Eu e aquele guri que fui vamos fazer, juntos.