Pai rico, filho nobre…

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Nossa vizinha, a Argentina, está enfrentando uma crise histórica. Inflação nas alturas, tudo caro, protestos e aparentemente nenhuma perspectiva de solução. Agora, o governo inventou umas sobretaxas contra os argentinos que pretendam viajar para o exterior. Isso vai impactar nas férias de verão, no Brasil. Talvez venham menos Hermanos nos visitar.

Mas a questão é por que, afinal de contas, nesse país em tamanha crise, precisa taxar os gastos no exterior? Porque a crise não afeta todos de maneira similar. Existe um abismo social cada vez mais pronunciado por lá.

Fatos interessantes.

A Argentina vive da exportação de produtos agropecuários, principalmente. Trigo, soja, carne. Já foi um dos países mais ricos do mundo. Mas agora sofre, e os produtores rurais protestam contra taxas extorsivas sobre a venda de seus produtos. Atualmente, barcas clandestinas atravessam soja para o Brasil, contrabando que visa fugir dos impostos caríssimos.

A miséria argentina, todavia, tem origem na enorme riqueza produzida pela carne e trigo que alimentavam o mundo. Ainda hoje a carne produzida por lá é considerada a de melhor qualidade. Campos espetaculares. Gado de primeira. Trigo produzido quase sem necessidade de adubação. Na primeira metade do século passado, a medida que o mundo ia conhecendo a carne argentina, a demanda aumentava. No final da segunda guerra, os nossos vizinhos nem sabiam o que fazer com tanto dinheiro que tinham. Construíram uma Buenos Aires de dar inveja a Paris, Londres, Viena. Precisaram criar atividades burocratas para controlar e organizar as exportações e investir o dinheiro. Claro que muitos descendentes da classe produtora deslocaram-se para a capital a fim de ocupar cargos de eminencia nas novas atividades criadas. E as cidades cresceram, a população cresceu, e não houve diversificação da produção.

Talvez tenha havido falta de preparo, pouco estudo pode-se dizer. Diferente dos árabes, que enriqueceram com petróleo, mas enviaram toda uma geração a estudar nas melhores universidades da Europa. Os argentinos parecem ter se preocupado mais com o bem estar dos moradores das cidades. Teatros, bares, vida noturna, direitos infinitos para trabalhadores públicos e grandes rendimentos para a burocracia.

O mundo cresceu, mudou, outros países também começaram a produzir o que a Argentina produz. O preço das coisas caiu, os custos internos só cresceram. Deu no que deu. Um nó que não pode ser desatado. Só que, agora, com formato cruel. Aquela parte da população que acumulou privilégios continua recebendo o seu, guarda em dólares e vive cada vez melhor com a crise que se acumula. A medida que o peso de desvaloriza, essa gente fica mais rica. Quem paga a conta é o trabalhador que não tem esse privilégio, e que vê seu ganho evaporar dia a dia. A essa classe se junta outra, a classe produtora, que foi responsável pela riqueza de outrora e hoje se vê obrigada a contrabandear seus produtos para tentar sobreviver num país onde o Estado é cada vez mais oposição ao cidadão.