Aconteceu assim. Estava chegando no prédio onde minha filha mora, e precisava de um lugar para estacionar o carro, o mais próximo possível da portaria, porque tinha malas e outras coisa para descarregar. Quase na frente, próximo de uma esquina, uma camionetinha estacionada, com o capô do motor aberto, era o último carro. Cabia o meu entre ela e a esquina. Já tinha visto a camionete ali, outras vezes, com o capô aberto.
Tudo certo, manobrei e comecei a recuar, porque o espaço era apertado. Esses carros de hoje tem de tudo, câmera de ré, sensores e tal. Fica uma apitação, que vai se tornando mais intensa à medida que o carro se aproxima de um obstáculo. Acho muito bom, e assim fui indo. De repente, sem aviso prévio, salta um homem atrás do meu carro, gesticulando e esbravejando. Ele estava deitado em baixo da camionete, e tomou um susto quando aproximei meu carro.
Parei, desci e fui falar com ele. Me xingou, – mas não viu que eu estava debaixo do carro? Tu quase me atropelou. Pedi desculpas, perguntei se havia batido nele, e graças a Deus não, mas ele insistiu que eu não estacionasse ali.
Então foi minha vez de ficar irritado, – tá, mas é proibido estacionar aqui? Eta, perguntinha marota. Da qual meio que me arrependi, e resolvi estacionar mais adiante. Havia uma vaga uns trinta metros mais na frente. Não foi problema.
Levamos as coisas para o apartamento, tomamos um café, e aí lembrei do incidente. A lembrança me incomodou. O homem estava tentando consertar o carro dele, e talvez estivesse nervoso por causa disso. Lembrei que já havia visto essa camionete em conserto, ali, e entendi que o sujeito deveria morar no prédio que fica em frente ao de minha filha. Para que brigar com vizinhos? Não fez diferença estacionar mais adiante, eu não deveria ter sido grosseiro e feito aquela pergunta.
Resolvi voltar lá.
Voltei.
Ele continuava mexendo na camionetinha. Cheguei e perguntei novamente, – bati em ti? Te machucaste? Desculpa! O homem, que deveria ter por volta de uns quarenta anos, mais alto que eu, com um corpo de quem se movimenta para trabalhar, e nem esperou eu terminar de falar. – bah, desculpa, eu tomei um baita susto. Estou tentando trocar o parachoques aqui e esse negócio é complicado. Não devia ter gritado contigo, tu não tinha como me ver.
Achei muito engraçado, porque o evento tinha tudo para ser uma crise, e acabou com gentilezas. Gosto de consertar meu carro, também, e ficamos conversando sobre parafusos e parachoques. Não posso afirmar que nos tornamos amigos, mas a possibilidade de encetarmos uma inimizade ficou totalmente descartada.