Até que a morte nos separe – I

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Estive pensando sobre a indissolubilidade do casamento. Até que a morte separe. E lembrei da história do seu Armando.

Armando Matias de Cambona era um pecuarista que vivia entre Santana da Boa Vista e Lavras do Sul. Trabalhador, vivia na fazenda, onde manejava um rebanho de umas duzentas vacas de cria, ovelhas, cavalos de montaria e outros bicharedos das casas. Era casado com dona Aurora Farias de Cambona, mulher de boas prendas. Cuidava da casa, dos filhos, do seu Armando. Mantinha todos alinhados.

Próspero no negócio, seu Armando era um homem forte, bem formado, e um tanto vaidoso. Gostava de andar bem pilchado, cabelo e bigode bem aparados. Dona Aurora, com o passar dos anos, foi perdendo um pouco do brilho. Não parecia dar tanta importância a aparência como seu Armando. Também não era de muito passeio, e a medida que os filhos foram deixando a propriedade para estudar, trabalhar ou casar, foi transferindo a atenção às galinhas, a vaca do leite, a horta, aos arvoredos. Aliás, era linda de ver, e muito comentada na região, a relação entre dona Aurora e Mirtes, a vaca do leite. Diziam que as duas eram como comadres, se encontravam várias vezes durante o dia, passeavam juntas, conversavam sobre a arte de ser mãe. Comovente mesmo o encontro das duas fêmeas, na solidão da campanha, cheias de lembranças e saudades de suas crias.

Pois bem, seu Armando trabalhava praticamente sozinho. Alves, um moreno solitário, era o único peão a acompanhar o dono das vacas. Fazia de tudo, domava, tratava, alambrava, levava o sal. Homem muito quieto, de passado não bem conhecido, vivia no galpão. Era asseado, fazia a própria comida, e sempre que possível trazia alguma caça que a patroa preparava e comia com seu Armando. Ainda que trabalhando pesado, de segunda a segunda, nunca deixava de estar disponível quando dona Aurora precisava um braço forte para virar uma terra para plantar batata doce, ou mesmo para fazer um reparo no estábulo onde Mirtes por vezes passava a noite.

Seu Armando era o único que ia na cidade, toda a semana, para ver as contas no banco, passar no sindicato para as novidades e fazer as compras necessárias. Lá pelas tantas, Marília, uma moça que atendia na lancheria onde ele fazia um lastro ao meio, começou a conversar com seu Armando. De leves conversas sobre o tempo, o campo, a cidade, a coisa passou para um interesse pelas curvas da Marília e os bigodes do Armando. Tornaram-se amantes. Frequência semanal.

Marília era o que dona Aurora não era. Vaidosa, nova, faceira e carinhosa. Seu Armando vivia encantado. Pensou em se separar e casar com ela. Mas era religioso, e o que Deus juntou, só a morte separa. Então manteve o matrimonio, dando essas escorregadas. Afinal, homem precisa dessas coisas, e não havia lido na bíblia que não podia.

Dona Aurora era simples, quieta, obediente. Mas não era cega e nem estúpida. Percebeu as mudanças no seu Armando. Sentiu-se triste, abandonada, diminuída mesmo. Mas era religiosa. O que Deus uniu, não se separa. E ficou. Não sem pagar caro pela decisão. Murchou. Adoeceu. Morreu.

A história é comprida, semana que vem conto o resto.