Dentes da pandemia

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Bruna e Tatu finalmente encontraram seus amigos, depois de um ano de afastamento social. Pandemia. Marcaram um almoço no Bar Trança, o melhor ala minuta da cidade. Paulão e Bete já estavam no bar quando os amigos chegaram. Satisfeitos da vida, escolheram uma mesa ao ar livre, na sombra de uma figueira. Corria um ventinho bom, amansando o calor do final de outubro.
Pediram os pratos, cerveja, e iniciaram o trabalho de botar em dia os assuntos de mais de um ano. Logo, perceberam que não eram tantos assuntos assim, afinal tudo o que fizeram durante esse longo tempo foi ficar em casa, olhar televisão, acessar as redes e trabalhar. Então, as conversas foram essas. Mas estava bom, estavam contentes de se verem novamente.
Terminado o almoço, Paulão sentiu-se desconfortável. Durante aquele ano, seus dentes sofreram. Precisaria ir ao dentista. Um pedaço teimoso de bife lutava entre dois molares. Passou a língua, discretamente tentou fazer passar a saliva. Não tinha palitos na mesa. Disfarçadamente pegou um pedaço de canudinho e improvisou um palito. Bete observou a cara de espanto da Bruna, olhou para o namorado e viu o que ele fazia.
– Pô Paulão, vai no banheiro limpar essa boca. Que nojo!
– Grande coisa, interferiu Tatu. Uma vez eu vi o tio Cacau tirar a dentadura e esfregar na camiseta. Depois passou uma água e botou na boca de novo.
As faces das moças ficaram tensas.
– Fio dental, interveio Bruna. Discretamente.
Aproveitando a deixa do Tatu, Paulão começou a desfilar tipos de palitos de dente que já tinha visto na vida. Tampa de caneta bic amassada com os dentes, palito de fosforo quebrado, plástico de chocolate dobrado ou enrolado, folha de árvore, graveto do chão.
– Nunca esquecendo do velho e bom capim, lembrou o Tatu.
Nesse momento, um sujeito que estava sentado numa mesa próxima, levantou e veio falar com a turma.
– Não pude deixar de ouvir a discussão de vocês, disse o homem, que era mais velho, sei lá, uns cinquenta e poucos anos, bem apessoado, cabelo bem penteado, bem vestido. Prosseguiu dizendo que entendia a situação do Paulão, porque seus dentes também precisavam de mais do que fio dental.
– Sem querer interferir, gostaria de oferecer um de meus palitos, que trago sempre comigo. Os restaurantes, agora, nem sempre possuem palitos disponíveis, então me previno.
Tirou do bolso uma caixa plástica. Abriu e dentro da caixa apareceram cotonetes cortados ao meio. No tubo que forma a haste do cotonete, o homem havia enfiado palitos de dentes.
A Bruna estava impressionada com a boa apresentação e também com a gentileza do estranho. Olhou a caixa que se abria, e disse, curiosa: – nunca tinha visto….
– É que sempre que palito os dentes me dá coceira nos ouvidos. Então, aproveitei e inventei esses palitos que facilitam minha vida.
A Bruna desmaiou.