Minhas tias-avós

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         À medida que o tempo vai passando, parece que a memória da gente vai ficando cada vez mais saudosa.

         Então, quando chega o tempo das festividades natalinas e de fim-de-ano, aí então a emoção toma conta de nossos sentimentos e, cada vez que vivemos estes momentos, as mais puras e doces lembranças vêm para nos falar das alegrias que tivemos e que agora fazem parte de um remoto, mas feliz passado.

         Li por aí que o pior sonho de nossa infância, foi sonhar com o nosso tempo de adultos.

         Verdade absoluta.

         Com toda a certeza e pelo carinho e afago que ganhávamos, eu, meus irmãos e primos, nossas tias-avós estão neste rol de saudades e gratidão.

         Particularmente, tínhamos duas tias-avós que eram umas figuras…adoráveis, simpáticas, amorosas, as que verdadeiramente se chama de “pessoas muito queridas”.

         A Leontina, que tinha o apelido de Tita, viveu a maioria da sua vida no distrito de São Martim, em Bagé, onde lecionava e seu marido, o Tio Ramiro era o subdelegado daquela localidade.

         São Martim, naquela época, era subdistrito de Bagé e, talvez hoje, seja até um bairro da Rainha da Fronteira, não sei…

         Inúmeros finais de semana nós íamos almoçar na sua casa “de fora”, como costumávamos dizer.

         Era uma grande festa, principalmente porque naquela época viajar de ônibus, mesmo que fosse apenas e tão somente uns 10 km da nossa casa, era uma epopeia.

         Ali tinha um grande umbu (Spondias tuberosa L., popularmente conhecido como umbuzeiro, imbuzeiro, é uma árvore de pequeno porte, pertencente à família das anacardiáceas, de copa larga, que se destaca por fornecer sombra e aconchego), onde embaixo de sua frondosa sombra se fazia os grandes churrascos.

         E a outra tia-avó, a Celina (irmã da Tita), que era chamada de Nena, era solteira e sempre morou a vida inteira com a minha avó materna, a vó Marieta.

         A Nena era quem administrava toda a casa da minha avó, principalmente depois que meu avô faleceu, uma espécie de governanta de luxo.

         Pessoa de uma humildade ao extremo, bondosa, querida, e que sempre estava em prontidão para defender os seus sobrinhos-netos, principalmente quando estes aprontavam.

         Então, foi dessas tias-avós que ouvi os mais estranhos lembretes, ou avisos, ou precauções que até hoje guardo na minha memória e, quando relembro a figura ímpar delas, tenho uma saudade enorme daqueles bons tempos.

         Visitá-las era sempre viver momentos ternos.

         Difícil também é recordar… a gente nesse período fica muito suscetível a emoções que nos fazem até mesmo chorar.

         “Beto, sai da frente da janela que tem vento encanado e tu vai te gripar”!

         “Não bota pés descalços na laje fria, recém tirastes o sapato”!

         “Olha, depois de comerem a melancia, Deus o livre tomarem leite”!

         “Não se pode cortar as unhas depois de almoçar que dá congestão”!

         E assim ia o trote da vida com as minhas tias-avós.

         Para cada situação havia um ditado.

         Elas foram e sempre serão os meus xodós, pessoas simples, mas de fino trato e, que eram presenças marcantes em minha vida, não só pelo parentesco e pelo carinho que elas devotavam a nós, mas também pelas lições de vida que nos transmitiam.

         Estar ao lado delas era sempre uma grande felicidade, eram momentos tranquilos e muito ternos.

         O coração de cada uma sempre estava aberto para nos receber, com todo o desvelo e toda a atenção.

         Contavam com pormenores a vida delas quando moravam “para fora”, falavam de momentos da juventude da Dona Iolanda (minha mãe), nos ensinavam principalmente a árvore genealógica da família, criavam histórias de personagens que nem sei se existiram mesmo, com o intuito de nos passarem uma lição de vida e, se tudo isso não bastasse, ainda nos acariciavam os cabelos para que pudéssemos adormecer em seus colos macios e afetuosos.

         Ah, essas tias-avós…

         E nunca faltava um cantinho da casa com os seus altares e os santos, católicas fervorosas que eram, sempre em volta com as suas promessas, principalmente nessa época, que era para os sobrinhos-netos passarem de ano no colégio.

         Hoje a lembrança me trouxe saudades das minhas tias-avós, Tita e Nena.

         Juntas com minha vó Marieta, traduziam o mais puro e inefável amor.

         Minhas lágrimas interpõem-se e umedecem os fios reticulares das recordações…

– “Não abram o guarda-chuva dentro de casa que dá azar!”

         E, em dias de grandes tempestades, nunca faltaram a toalha cobrindo os espelhos, a cruz de sal grosso e, o esconder das tesouras da casa…