Moradores de rua

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Fiquei impressionado com a quantidade de moradores de rua na praia do Cassino. Chocado, para falar a verdade. Gosto de lá, e é a praia mais perto de nós. Sempre senti desconforto com o excesso de cachorros na rua, sem dono. Mas cachorro é uma coisa, gente é outra.

Bem no centro, agora moderno e cheio de prédios que abrigam a fina flor do comércio, bancos, farmácias, supermercados, tem gente pedindo. Bem na porta do supermercado, uma mulher nova, com feições índias, sentada no chão, sobre uns colchões e farrapos, crianças pequenas na sua volta, segurava um cartaz:

– Dá um dinheiro para eu comprar qualquer coisa!

De manhã cedo, já nos primeiros frios desse outono, vi acampamentos em todos os cantos capazes de fornecer algum abrigo.

Cassino é um praião. Boa de caminhar, de andar de carro, o pessoal gosta de estacionar na praia e fazer churrasco. É esquisito, aquela fumaceira cheirando a carne assada no verão. Mais ainda para mim, que sempre pensei que na praia se come peixe. Mas o fato é que enche de gente nos finais de semana, e mais ainda no verão.

De uns tempos para cá, a praia atraiu a cobiça dos empreendimentos imobiliários. Prédios e mais prédios. O pessoal diz que Cassino vai valorizar muito. E dê-lhe construções.

Apaixonado que sou pela natureza e a simplicidade, olho com a boca torta todos esses empreendimentos. Mas me curvo ante o argumento de que é preciso crescer, gerar renda e trabalho. Que assim seja, que seja para a vida melhorar.

Mas meus olhos veem o que está na minha frente. Por que tem gente dormindo na rua? Onde vão no banheiro? Leio os estudiosos, existe gente que simplesmente não consegue viver de outra maneira. Existe a pobreza, aliada a falta de instrução, problemas mentais. Mas tem também imigrantes lá, tem de tudo. E tem o fato incontestável de que a quantidade e gente que eu vejo na rua, lá no Cassino, cresce cada vez que eu vou lá.

Aqui no Vau dos Prestes não tem ninguém morando assim. Não lembro de ter visto essa condição em Encruzilhada, embora haja muita pobreza por aqui. Por isso, cada vez que vou lá e vejo o que vejo, sinto uma coisa ruim. Depois esqueço. O que não é visto não é lembrado. Aí penso nas pessoas que moram em Cassino, ou que frequentam a praia com mais frequência que eu. Ou que estão construindo esse futuro valorizado. Como podem passar por gente dormindo na rua todo o dia sem fazer alguma coisa?

É o que mais choca, o que mais dói. Tudo acostuma. Uma, duas, três vezes, e começa a parecer normal. Mas não é normal. De jeito nenhum. É uma maneira terrível de viver.