O sonho de ser mãe congelado pela pandemia

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Por: Gabriel Monteiro

Sou ginecologista, obstetra e especialista em reprodução assistida. Todos os dias, atendo pacientes que desejam ser mães, porém muitas enfrentam uma longa jornada para conseguir realizar o sonho de ter um bebê no colo. É um trabalho emocionante e que me deixa realizado, embora, às vezes, frustrado também. Lidar com o sonho e a expectativa dos outros é desafiador.

A pandemia causada pelo novo coronavírus chacoalhou o mundo todo e, até hoje, nos deparamos com seus mais distintos desfechos. Recentemente, uma pesquisa confirmou um fato que já havia notado na rotina de atendimento no consultório: a procura pela criopreservação da fertilidade feminina teve um aumento consistente em 2020: 50% mais mulheres congelaram óvulos no mundo todo – dado que reflete também a realidade brasileira, de acordo com clínicas especializadas de todo o país.

Se postergar a maternidade já era uma tendência, o cenário de incertezas trouxe uma maior conscientização sobre o empoderamento reprodutivo feminino. À medida que o tempo passa, a quantidade e a qualidade dos óvulos diminuem e o congelamento de óvulos pode dar à mulher o controle da sua fertilidade para que ela decida o melhor momento para ser mãe.

Quanto antes a mulher fizer a criopreservação, melhor, pois o sucesso da gravidez no futuro depende principalmente da idade dos óvulos, ou seja, a idade da mulher no momento do congelamento. O problema é que a grande maioria das mulheres buscam o congelamento entre 35 e 40 anos. Infelizmente, nem todas chegam a essa idade com uma reserva ovariana boa e a qualidade e a quantidade dos óvulos – o ideal é coletar cerca de 15 óvulos – são importantes para garantir boas chances futuras.

Então, temos um trabalho de formiguinha pela frente: informar as mulheres para que elas pensem sobre a criopreservação antes, por volta dos 30 anos. O ginecologista tem um papel importante aqui e essa conversa sobre planejamento da maternidade e a avaliação da reserva ovariana devem acontecer durante a consulta de rotina. Quantas mulheres com mais de 40 anos que estão fazendo tratamento para engravidar não desejariam ter seus óvulos guardados há 10 anos?

O tratamento é mais simples e, apesar de ser um procedimento caro, é mais acessível do que muita gente pensa. Tudo começa quando a mulher menstrua, com o estímulo hormonal para produzir mais folículos e, consequentemente, mais óvulos. A estimulação é acompanhada de perto pelo especialista de reprodução humana através da ultrassonografia transvaginal seriada e exames laboratoriais.

A coleta de folículos dos ovários, dentro dos quais estão os óvulos, é realizada com sedação, em um centro cirúrgico. Depois de coletados, os óvulos passam por uma seleção para que somente os maduros sejam congelados. Em seguida, são mergulhados em nitrogênio líquido e congelados rapidamente a 196 graus negativos.

Os óvulos podem ficar congelados por muitos anos. E o que acontece caso a mulher não utilize as células armazenadas? Como o óvulo é um gameta, pode ser descartado a qualquer momento. A criopreservação de óvulos deve ser vista como um seguro-maternidade, uma conquista de parar o tique-taque do relógio biológico para decidir qual o melhor momento da maternidade.

 

Gabriel Monteiro é médico ginecologista e obstetra, especialista em reprodução assistida e professor do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa.