Zé e o Porco-Espinho

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O Zé, um cão da raça boxer que mora aqui conosco, outro dia encontrou um porco-espinho. O Zé não é muito experiente, vive mais na volta das casas. No entanto, quando sai para o campo se enche de aventuras, e não resiste as tentações das caçadas. Tudo que se mexe ele tenta pegar. E é muito difícil de ser controlado. Já passou por poucas e boas, e essa agora, do espinhudo, foi dolorida.

O porco-espinho é um animal muito lento, não tem condições de lutar com ninguém. Mas desenvolveu essa defesa. Seus pelos se transformam em espinhos. O
Zé não sabia disso e atacou. Na primeira mordida já se espetou, mas reagiu atacando de novo. Aí ficou com a cara parecida com uma flor, eram espinhos bem amarelados. Uma agonia terrível. Foi bem na beira do arroio Miséria, e ele entrou, se rolou, meio engasgado. Longe de casa, teve que voltar com aqueles espinhos todos espetados.

Os cachorros já se civilizaram há uns quantos mil anos. Se alimentam junto com os humanos, não passam fome. Mas não conseguem frear esse instinto de caça. Na maioria das vezes, só pelo gosto de atacar e matar. Os cachorros daqui pegam lagartos, e os lagartos mordem. Zorrilhos, e depois ficam fedendo tanto que nem eles se aguentam. Mas esquecem e atacam de novo. Os zorrilhos são presas fáceis por serem muito lentos. Capivaras, quatis, cobras. Com vitorias e derrotas de ambos os lados. Porco-espinho. Esse sempre com derrota para os cachorros.

O Zé sofreu. Pedi para minha esposa segura-lo com toda a força, fiz uma laçada com uma corda e com ela abria a sua boca. Depois, com um alicate fui tirando os espinhos. Os mais doloridos eram os cravados no céu da boca. Foi um trabalho duro, deu muita pena do pobre do Zé. De vez em quando, um espinho cravava na minha mão. Só um pouco. Mas doía bastante. Imagino o que ele sentiu.

Finalmente acabamos o serviço. Tínhamos em casa anti-inflamatório e antibiótico. Medicamos o cachorro. Que deitou na cama dele e dormiu.

Depois de um tempo, estávamos tomando um mate no pátio de casa. Ele acordou. Meio mole do remédio levantou, caminhou até onde eu estava, devagar e meio sem jeito. Chegou perto e deitou a cabeça no meu colo.

É a maneira que ele tem de agradecer e dizer que está tudo bem.

Os cães não são capazes de frear muitos dos seus instintos. Como nós, que também temos nossos momentos de falta de lucidez. Mas os cães compreendem muita coisa. Muito mais do que podemos imaginar.