Depois de um ano de luta, Juju vive outro de recomeço

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Ela brinca de jogos de encaixar, se encanta com bolinhas de sabão, pula o anúncio dos vídeos do Youtube, vai para a escolinha e gosta de estar com um livro em mãos onde quer que esteja. A nova realidade da vida de Júlia Cardoso Torres é o presente que cada um que torceu por sua saúde pode ganhar neste 22 de outubro. Há um ano, Juju recebia o Zolgensma – conhecido como o medicamento mais caro do mundo – para interromper o avanço da Atrofia Muscular Espinhal (AME). Naquele dia, mais do que a pequena santa-cruzense e sua família, todas as formiguinhas se tornavam vitoriosas. Cada um que ajudou e orou se sentiu um pouco mais vivo.
Nestes 12 meses, muita coisa mudou. Logo após ter retornado de Recife, onde recebeu o medicamento gratuitamente por ser sorteada pela empresa farmacêutica, Juju recuperou o peso e passou a exibir os sinais de um futuro diferente. Desde aquele dia, ela nunca mais se afogou. Ganhou massa muscular e passou a ter controle cervical. Nunca mais se sentiu extremamente cansada simplesmente por brincar. Passou a aproveitar melhor cada momento, assim como tranquilizou sua família que, por tanto tempo, viveu dia após dia com uma mistura de esperança, medo e dedicação. A cada pequeno controle do tronco e a cada segundo sentada, Juju relembra a todos que venceu.
Com maior capacidade física, o tratamento em prol de sua recuperação também foi intensificado. De seis a oito horas por dia de atividades, a pequena Juju se transforma na gigante Júlia, que veste sua armadura e, como uma heroína, enfrenta todo e qualquer desafio. Segundo sua mãe, Silviane Bica Cardoso, Juju nasceu preparada. “Ela tem aquela armadura, onde a deixamos 45 minutos em pé de manhã e também de tarde. Ela também fica deitadinha na posição prona, de bruços, para ajudar. De manhã ela praticamente não para. E ela não reclama. É resignada”, se orgulha. Para ajudar nos cuidados, duas profissionais se dividem durante o dia e outra observa durante a noite o respirador, que Juju ainda utiliza para dormir melhor enquanto ocorre o fortalecimento do tórax.
A intensa fisioterapia também tem contribuído para o movimento das pernas aumentar, o que também eleva o nível de esperança de todos que acompanham sua evolução. “Agora estamos colocando ela no andador e na esteira. Dá pra fazer mais coisas, exigir mais, porque antes ela fadigava bem rápido. E assim ela pode ficar com a gente bastante tempo sem cansar. Ela também fica sentadinha e isso facilita para brincar, o que antes ela não conseguia”, diz.
A alimentação, embora ainda precise ser em papinha, também melhorou. Além de comer bem e estar dentro da meta de peso e crescimento, Juju passa mais tranquilidade ao receber os alimentos por conta da melhora na deglutição. “Antes eu sempre andava com o coração na mão. Muitas vezes saí do consultório correndo e vim aqui porque tinha acontecido alguma coisa. Era o tempo todo alerta. Por muitas vezes alimentei ela tremendo de medo por dentro”, confessa Silviane.
Toda sua evolução é acompanhada, além da fisioterapeuta e fonoaudióloga, por um pneumopediatra, a neuropediatra de Recife – que ela precisa ver de seis em seis meses -, uma pediatra e uma psicóloga especialista em crianças com atrasos no desenvolvimento. Na escolinha, que Juju passou a frequentar neste mês, a socialização com outras crianças também ajuda. “A Júlia nunca havia convivido com crianças. Afastamos primeiro para ter imunidade para a medicação e depois porque a pandemia estourou. Ela é tímida e envergonhada, mas na escolinha ela ficou bem tranquila, tanto que quando fomos embora ela começou a chorar porque queria ficar”, conta.
Na fala, a família também se alegra com o avanço. Juju canta e fala e muito emocionou Silviane quando disse “mamãe” pela primeira vez. “Ela está falando. Fala várias coisas. Algumas coisas não entendemos, mas ela fala todas as palavrinhas, é só tu pedir e ela estar de acordo. Ela imita os animais, ela canta. É resultado do trabalho da fono. Temos que ir vivendo. Cada dia é um dia. Cada pequeno avanço é um máximo. Coisas que são naturais e nem percebemos nas outras crianças, com ela é festa”, resume.
Silviane explica que os atrasos identificados são resultado da demora em receber o medicamento. “Como ela ficou um ano sem, alguns neurônios possivelmente adoeceram. Eu não acredito que tenha perdido eles! Acho que estão ali! Só temos que acionar eles de novo. Temos que recuperar esse ano que ela ficou sem receber o remédio. Por isso pedimos que o medicamento seja administrado no diagnóstico da doença. Assim, a criança não precisa passar por nada disso”, analisa.
“Eu senti a força de Deus em todos os momentos da campanha”
Se a campanha Ame Juju marcou a vida de tantas pessoas de Santa Cruz do Sul e da região, imagine o quanto não significou para os pais, Silviane e Ramses, que viram desconhecidos lutarem juntos pela vida de sua filha. Com tudo o que passaram, o sentimento é de gratidão eterna. Como uma pessoa religiosa e otimista, Silviane conta que tudo que aconteceu provou para ela o que ela já acreditava. “A minha fé foi muito fortalecida. Eu vi acontecer na prática coisas que eu acreditava, mas eu não sabia. É diferente você acreditar e você sentir. Eu senti a força de Deus em todos os momentos da campanha, quando estava difícil, e depois Ele pega e me coloca no sorteio. Quando chegamos de Recife, nunca vou esquecer o arco-íris lindo na hora da passeata. Era Deus dizendo: Eu estava com vocês todo o tempo. Parabéns! Vencemos!”, diz.
Uma fé que também foi fortalecida pela fé de tantas outras pessoas que acreditaram e fizeram o possível para o final dessa história ser feliz. “Eu não tenho como desacreditar no ser humano. Aprendi que o ser humano é bom e é caridoso por natureza. Tem uma energia linda! E quando você não participa de uma campanha assim, você nem sabe que isso existe. Em matéria de caridade, eu aprendi muito. Existem pessoas que estão num nível muito mais elevado, que têm uma capacidade muito grande para a caridade. Então, acabamos aprendendo ao ver que isso é possível e que alguém é assim”, considera.
E com uma campanha tão forte chega a ser difícil lembrar tudo que aconteceu. “Todo dia era intenso. Teve a ajuda de tudo que é lado. Me lembro da ação dos criadores de cavalo crioulo. Achei muito bonito, pois foi uma coisa que veio do nada. Era um domingo à noite, no WhatsApp, e eu achei que estava falando com meninas quando, na verdade, eram todos criadores de cavalo crioulo. Foi um movimento bem legal. O Karnopp também é outra pessoa que somos muito agradecidos, que fez aquele movimento gigante do terreno. Os meus colegas que me deram o carro também. As pessoas queriam resolver o problema. Dar um jeito para esse dinheiro aparecer. Uma coisa que me emocionou muito foi o primeiro pedágio, lá no Arroio Grande. Eu lembro que era uma energia tão forte, uma coisa tão boa. Teve o aniversário da Juju muito legal. Teve aquele senhor que veio com a Mega-Sena comprada pra mim, teve aquela senhora que deu os dólares do pai dela. Eu acredito que o sorteio veio muito nessa energia”, conclui.
Como forma de agradecimento, Silviane pede a Deus, que conhece o coração de todos, que abençoe a cada um conforme sua capacidade de amar. “Ver as pessoas lutando pela tua filha quebra a gente! É muita gratidão! Não tenho uma capacidade de entendimento de um sentimento tão grande. Deus tem! Que as pessoas sempre acreditem no amor, que não se esqueçam de amorosidade, de ser caridoso. Esse é o caminho para toda a humanidade. Não deixe de acreditar no amor porque ele está presente em todas as coisas”, destaca a mãe da Juju.
“Eu acredito que ela será uma pessoa do bem”
Quando Silviane pensa no futuro, imagina Juju forte, feliz e dedicada a retribuir o bem. Ela acredita, inclusive, que não precisará explicar tudo que ela passou, pois sente que ela entenderá aos poucos e também será muito grata. “Esse processo é tão natural na nossa vida que todo dia as pessoas enxergam ela na rua e falam: ‘Olha a Juju, da campanha!’ Isso será tão natural que eu nem vou precisar explicar. Tem as formiguinhas que continuarão fazendo as ações, ela estará comigo, vai crescer nesse meio. E ela vai aprender a história com naturalidade. Eu sonho que ela possa ser a mais independente possível e dentro dessa independência que seja uma mulher do bem, que tenha solidariedade. Que assim como foi ajudada, possa ajudar. A Júlia já viveu coisas nesses dois anos que a gente não viveu a vida toda. Ela teve uma missão muito linda na chegada. Eu acredito que ela será uma pessoa do bem e que irá muito longe”, fala.
Dinheiro é destinado às crianças com doenças raras
Para dar transparência e segurança à destinação dos recursos arrecadados durante a campanha – e não utilizados por conta do sorteio -, uma associação foi criada para organizar as doações. Com supervisão do Ministério Público, os recursos são utilizados para a compra de materiais ou medicamentos. “Houve um período de inscrições, quando se inscreveram pessoas de todo o Brasil. Aí foram feitas as licitações para comprar mais barato e foram direcionados. Foram várias cadeiras de rodas, parapodium, respiradores, andadores, tudo que crianças com doença rara precisam”, relata. Além disso, parte do valor foi destinado ao tratamento de Juju. “Esse dinheiro que ficou para ela é somente usado na saúde dela e mais nada. Tudo com nota fiscal para a futura prestação de contas”, comunica. Os interessados em ser contemplados podem entrar em contato com a Associação Ame Juju pelas redes sociais.
Após o término do valor, as ações serão concentradas no trabalho das Formiguinhas Solidárias, grupo criado pelas voluntárias da campanha e que, com certeza, Juju um dia fará parte.
Fonte: Portal Arauto