CISMAS l Coisas de Guri

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         João Câncio era uma das tantas estaçõezinhas entre a linha férrea Bagé-São Gabriel-RS.

         Logo a não mais do que 200 metros da gare, estava a fazenda do pai de um grande amigo de infância, José Benhur Mazzini Marques, a fazenda de seu pai, seu Geminiano Marques.

         Lugar encantador e de muitas boas lembranças.

         A aventura já começava quando embarcávamos no trem em Bagé, na direção de João Câncio, o Benhur, eu e meu irmão.

         Estávamos acostumados a viajar de trem, mas sozinhos era bem diferente do que quando íamos para o Cassino ou Porto Alegre, com o seu João Francisco e a Dona Iolanda.

         O vagão onde viajávamos tinha um sabor de pertencimento, pois que ali éramos donos do nosso próprio destino, do nosso próprio nariz e das nossas próprias vontades, mas repito, sem fazer nada que, por exemplo, arriscássemos “nosso couro”.

         João Câncio.

Muitas férias passamos neste aprazível lugar, fazendo o que toda a gurizada faz nas férias, ou seja, divertir-nos.

         Mas nada de dar prejuízos e nem de ultrapassar os limites impostos as nossas idades daquela época áurea …a não ser uma coisa que hoje em dia eu me pergunto: por quê?

         Mas também pergunto: quem não…?

         De frente para a porta da cozinha onde geralmente seu Geminiano sempre estava ao pé do fogão à lenha, logo a uns 50 metros, estendia-se um belíssimo pomar, composto pela grande maioria de laranjeiras e bergamoteiras, mas ainda tinha pessegueiros, figueiras, marmeleiros…

         Mas a grande maioria eram laranjeiras e bergamoteiras.

         Geralmente quando por lá aportávamos, era sempre nas férias de julho, portanto, período áureo das belíssimas e doces laranjas e bergamotas.

         Invariavelmente após o almoço, nosso destino era estar embaixo destas frutíferas, degustando suas doçuras.

         E, por conta disso, convivíamos intensamente com os pássaros que também dali, tiravam suas “lasquinhas” para alimentarem-se, principalmente o sabiá-laranjeira.

         Tico-tico, cardeal, pombinha-do-mato, caturritas…também por lá andavam.

         O pomar era extenso, contudo, o estrago que esses bichinhos faziam nas frutas, também era significativo.

         Hoje, mais do que ninguém, entendemos o ciclo da natureza, a necessidade desta cadeia de alimentação e, principalmente, a subsistência destas aves.

         Guri, não, guri não tinha esta perspicácia…guri é guri…

         O Benhur tinha uma arma de pressão, de chumbinho, e aqui vem a maldade e o meu eterno arrependimento, confesso.

         Uma das nossas peraltices, como a grande maioria da gurizada já fez em tenra idade, era caçar passarinhos.

         Lhes digo muito constrangido que me arrependo enormemente, muito embora quando das missas que eu ia e me confessava, esse pecado era sempre relatado ao padre-confessor, e lá vinham 10 Ave-Maria e mais 10 Pai-Nosso…

         Que grande tolice nós fazíamos…coisas de guri…

         A meta estabelecida era somente atirar nos passarinhos que estivessem comendo as frutas…

         Meu Deus, novamente Lhe peço perdão!

         E, esses passarinhos não eram poucos, devido a extensão do pomar, coisa que ocupava um bom tempo, muitas das vezes que nos dedicávamos a “proteger as frutas” (não façam isso, crianças, por favor).

         Por quê?

         Hoje tenho a plena noção de que é uma estupidez injustificável, mas na inocência pueril, pela tradição e costumes, lá longe da cidade, em João Câncio…como se “arte” pudesse se esconder…

Porém, quem estaria na posição de recriminar?

Quem nunca apontou um bodoque, uma arminha de pressão, quem nunca jogou uma pedra sequer…?

         Coisas de guri…