O meu Chevette

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1977

Uma vez eu tive um Chevette. Ganhei do meu Pai. Era bege. Lá se vão nem sei quantos anos, e hoje fico pensando naqueles carros que a gente usava, e comparados com os de hoje, tão simples. Atualmente, nenhum carro sai da fábrica sem freios antibloqueio das rodas, sem air-bags, injeção eletrônica. Praticamente todos tem ar condicionado.

Os Chevette não tinham nada disso. Manivela nos vidros, quatro marchas, motorzinho de meia dúzia de hp, e tração nas rodas traseiras. Para aliviar o calor, um ventilador. O meu não tinha ar quente. Naquele tempo, a gente colocava um toca fitas e um amplificador no carro. Era mais ou menos novidade.

Só que roubavam muito esses aparelhos. Custavam caro e tinham um bom comércio paralelo. O ladrão arrombava, arrancava o rádio ou retirava com um alicate e uma chave de fendas. Eu tinha muito medo que me roubassem, não teria dinheiro para comprar outro. Acabei criando uma solução meio criativa. Retirei o rádio toca fitas do painel e coloquei em um suporte embaixo do banco do motorista. O amplificador eu coloquei embaixo do banco do carona. E deixei o painel furado, como se tivessem roubado meus equipamentos. Nunca fui roubado, embora meu carrinho tivesse um comprometimento da estética do painel.

Essa estratégia foi mais ou menos baseada numa outra, de meu avô. Ele morava em Porto Alegre, e andou sendo roubado no bonde por “batedor de carteira”. Então, cortou jornal no tamanho de notas de dinheiro, fez um maço e colocou uma nota de pequeno valor por fora. Levava isso no bolso, para atrair os ladrões e proteger sua carteira.

É engraçado como uma coisa lembra a outra, e lembrar o rádio do Chevette me fez lembrar meu avô.

Mas teve outra do Chevette. E essa era que eu ajudava meu pai na condução de uma lavoura, em Julio De Castilhos, e era o carrinho que me levava lá. Uma vez, convidei meu irmão e o amigo dele para irem comigo. Eles eram guris ainda, e o amigo do meu irmão era bem pesado. Enquanto estávamos na lavoura, começou a chover. Lá, a coisa ficava feia quando chovia. Formava um barro muito liso. E o Chevette fazia força nas rodas de trás, onde era muito leve. Com facilidade ficava atolado.

E aí tinha uma subida. O Chevette não conseguia subir. Patinava, patinava, e não subia. Novamente, uma ideia mais ou menos criativa surgiu.

– Fulano (para o amigo pesadinho), quem sabe tu sentas no porta-malas? Abri a tampa e o guri entrou lá dentro. Chovia um pouco, e tudo estava meio marrom avermelhado do barro do planalto médio. Mas a estratégia deu certo. Subimos a tal rampa, o guri voltou para dentro e voltamos para casa. Sem culpas, sem preconceitos, dando risadas e ouvindo as músicas que saíam do invisível, o rádio embaixo do banco.